segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

AS INTERPRETAÇÕES DO APOCALÍPSE



 O livro do Apocalipse não deveria ser interpretado ao bel prazer de nenhum segmento em particular, quer seja evangélico ou não. Porém, o que temos acompanhado, especialmente no segmento evangélico, mas também em outras esferas da cristandade, é um sem número de cristãos, leigos, estudantes de teologia, seminaristas, pastores e professores, firmarem posições acerca do assunto, sem considerar o contexto em que foi escrito, o estilo literário, as palavras-chave, os símbolos, as alegorias e toda a complexidade que o assunto encerra. Acredito que este comentário, considerando os quatro principais pontos de vista, muito nos ajudará a refletir sobre o que temos, não somente crido, mas também pregado. Que Deus nos ajude a rever nossos conceitos e pré-conceitos e mudar, se necessário for.

1.    Ponto de vista Preterista  -  Kennett L. Gentry Jr.
2.    Ponto de vista Idealista    -  Sam Hanstra Jr.
3.    Ponto de vista Dispensacionalista Progressivo   -   C. Marvin Pate
4.    Ponto de vista Dispensacionalista Clássico   -   Wayne G. Strickland


1.1  – Ponto de Vista Preterista 
O preterista enfatiza que grande parte das profecias de João ocorreu no século I. As profecias pronunciadas por ele,  apontavam para o futuro, e os seus interlocutores as leram, mas, em relação a nós, no século XXI, elas estão no passado. Eles afirmam que “o Apocalipse é um livro altamente figurativo que não podemos abordar a partir de um literalismo direto e simples.” Acrescentam que “uma interpretação literal rígida da linguagem apocalíptica inclina-se a confusão e equívocos infinitos” (Terry, 1974).
O preterista insiste que a chave para o Apocalipse seja encontrada na abertura (Ap 1.1 a 3).
Terry observa que, os eventos do Apocalipse são referentes “só a alguns anos no futuro após João escrevê-lo”. A ênfase urgente de João é na expectativa temporal.
O preterista assegura, positivamente, que os eventos afirmados por João, estão próximos, já nos seus dias, consequentemente, estão em nosso passado distante. O preterismo é exegeticamente fundamentado, pois estão arraigados em princípios hermenêuticos sólidos.
Os preteristas apregoam que João está escrevendo para seres humanos, mas não sobre Deus, portanto, o Apocalipse é particularmente motivacional; que João está escrevendo para sete igrejas específicas, históricas, a respeito de terríveis circunstâncias presentes que elas estão vivendo; O Apocalipse promete que não haverá nenhuma demora. (10.6); É enfático e declarativo; É harmonicamente paralelo (compara Apocalipse 6 com Mateus 24).
   Os preteristas se contrapõem à réplica daqueles que afirmam que esses eventos de fato ocorrem no primeiro século, mas que se repetem depois, na história. Afirmam que não há nenhuma garantia exegética para estas afirmações, sendo suas declarações meramente teológicas. O princípio teológico do já/ainda não, embora válido e aceito pelos evangélicos não pode governar trabalhos completos, vastos e complexos como o Apocalipse.
   Quanto ao tema apocalíptico (Ap 1.7), o preterismo afirma que o foco de atenção do Apocalipse( ainda que não o único) é que “Deus julgará os judeus do século I por rejeitar e crucificar seu Ungido. Lembremos das palavras do povo judeu quando do julgamento do Cristo: ”Crucifica-o” “Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos.” (Mt 27.22.25, v. Jo 19.1-16). Em seu contexto definido para o v.7, percebemos que está apontando para destruição de Jerusalém e seu templo em 70 d.C, que traz vários resultados dramáticos, entre eles: a ira de Deus por rejeitar seu Messias, conclui a antecipação da aliança antiga, já antiquada e por envelhecer, fecha o tema do sacrifício tipológico, reorienta a adoração a Deus e universaliza a fé cristã.
   De forma  interessante, João menciona o “trono de Deus” em 18 dos 22  capítulos do livro. Das 62 vezes em que aparece a palavra “trono” no NT, 47 delas são encontradas em Apocalipse, indicando uma forte tendência relativa a julgamentos no livro. Quanto aos sete rolos selados, os preteristas apresentam quatro controles interpretativos: 1) o rolo deve se aplicar a eventos do século I, porque o “tempo está próximo”.(1.3;22.6,10,12; v. 6.11); 2) o rolo deve se referir a Israel, porque o tema  do Apocalipse recorre “ aqueles que o traspassaram” (1.7; 11.8); 3) O rolo deveria ter provas do AT, porque a influência do AT em Apocalipse é predominante ( R.Thomas, Revelation 1-7, p.41) e; 4)  O rolo deveria ser consistente com a fluidez do Apocalipse, por estar intrinsecamente  estruturado.
   Com respeito aos sete selos, observam que há um “paralelismo íntimo entre o Sermão do Monte das Oliveiras de Jesus” e os selos do Apocalipse. E como o preterista lembra, os contextos das duas profecias se relacionam a eventos do século I (v. Ap 1.1,3 com Mt 24.2,3,34). Eusébio (260-340) usou a história de Josefo da Guerra dos judeus (67-70 d.C) para ilustrar o cumprimento da profecia  do discurso do Monte das Oliveiras (História eclesiástica 3:5-9).
Com respeito aos 144 000 selados, o preterista concorda com a maioria dos estudiosos, de que o número é certamente simbólico, como em Apocalipse todos os milhares perfeitamente arredondados parecem ser. Afirmam ainda que  estes selados são a raça de judeus provenientes das doze tribos de Israel, que aceitam o Cordeiro de Deus para a Salvação.
A interpretação preterista não leva em conta a diferença da palavra “tempo” (kairos, e.g., Ap 1.3). A posição preterista alivia desnecessariamente a tensão entre o já (primeira vinda de Jesus) e o não ainda (a segunda vinda de Jesus). O ponto de vista preterista está intimamente relacionado à hipótese da identificação da Babilônia, que é destruída nos caps 17 e 18, com Jerusalém, mais particularmente com o Judaísmo do século I que desfrutou de uma condição privilegiada por Roma por ser uma religião legal.

Em resumo: o ponto de vista preterista considera a interpretação histórica do Apocalipse, relacionando-a com seu autor original isto é, João tinha como alvo as verdadeiras igrejas que enfrentaram horríveis problemas no século I. A tentativa contínua de firmar o cumprimento das profecias divinas no século I d.C constitui a abordagem distintiva dos preteristas. Eles localizam a cronometragem do cumprimento das profecias do Apocalipse no século I, especificamente logo antes da queda de Jerusalém em 70 d.C, (entretanto alguns também vêem seu cumprimento nas quedas de Jerusalém [séc. I] e de Roma [séc.V]. Não obstante haver outras opiniões, o preterismo mantém, em grande parte a data do livro como neroriano (54-68). Os argumentos básicos para isto são: o fato de haver alusões a Nero ao longo do Apocalipse como o Imperador da época; as condições das igrejas da Ásia menor correlaciona-se melhor com o cristianismo judeu anterior ao ano 70; de acordo com Apocalipse 11, o templo parece ainda estar erguido.
   Com respeito à filosofia da história presumida pela maioria dos preteristas, ela é positiva. O mundo melhorará por causa do triunfo do evangelho.


1.2 – Ponto de vista Idealista
O idealista aborda o livro de Apocalipse simbólica e espiritualmente, sendo chamado, às vezes, de a visão espiritualista. O livro é visto desta perspectiva que representa o conflito contínuo do bem e do  mal e não possui conexão histórica com nenhum evento específico, seja político ou social. A visão idealista se distingue das demais, recusando nomear as declarações que precedem a qualquer correspondência histórica, e assim nega que as profecias no Apocalipse são proféticas, exceto no sentido mais geral da promessa do último triunfo do bem quando Cristo retornar.
A origem da escola idealista de pensamento pode ser remontada às origens da hermenêutica alegórica, ou simbólica, defendida pelos pais da igreja de Alexandria, especialmente Clemente e Orígenes. O idealista, como já mencionado, não restringe os conteúdos do livro a um período da história em particular, mas vê isto como uma dramatização apocalíptica de batalha contínua entre Deus e o mal. Porque os símbolos são polivalentes no significado e sem referente histórico específico, a aplicação da mensagem do livro é restrita.
Segundo os próprios idealistas, os cristãos modernos deveriam adotar uma abordagem idealista porque o seu ponto de vista se baseia em um sólido fundamento hermenêutico.
O idealista reconhece a natureza apocalíptica do livro de Apocalipse, embora admita que o livro contém elementos epistolares. Também acredita que João emprega o estilo apocalíptico para levar sua mensagem ao leitor. O idealista não somente reconhece o texto como literatura apocalíptica, mas também o interpreta como esse tipo de literatura. Ao reconhecer isso, o intérprete idealista prefere uma abordagem não literal para cada versículo do livro. Para o idealista deve haver uma boa razão para se abster de interpretação simbólica do texto.
O cerne da abordagem idealista é que o livro do Apocalipse apresenta preceitos espirituais por meio de símbolos, ao invés de um livro de profecia cumprido em eventos específicos ou pessoas na história humana.


1.3 – O ponto de vista Dispensacionalista Progressivo
Na década de 80, certos teólogos dispensacionalistas iniciaram uma reconsideração do sistema e desenvolveram o que foi chamado de “progressivo” ou “modificado”. A idéia abrangente que contém essa interpretação é sua aderência hermenêutica do “já/ ainda não”. Esse sistema vê a primeira e a segunda vinda de Cristo pela lente da tensão da escatologia. A primeira vinda testemunha a inauguração do Reino de Deus, ao passo que a segunda resultará em sua realização completa. Aí, então, o cristão vive na tensão entre a era por vir e esta presente e má.
Os progressivos acreditam que Jesus começou seu reino davídico na ressurreição. A igreja não é um parêntese no plano de Deus. A nova aliança está começando a ser cumprida na igreja. A promessa do AT sobre a vinda dos gentios para adorar o verdadeiro Deus ao término da história, também está experimentando realização parcial na igreja. (Rm 15.7-13)
Os progressistas focalizam também o Apocalipse 1.9 como a chave para a estrutura do livro, mas em lugar de examinar o versículo delineando passado, presente e futuro, este ponto de vista percebe somente dois períodos no trabalho.
O dispensacionalista progressivo também vê o desdobramento da história com pessimismo, porque ele é Pré-milenarista em sua perspectiva. Porém, a hermenêutica do já/não ainda não ajusta esse pessimismo à convicção otimista que o Reino de Deus alvorece espiritualmente, dando, assim, grande esperança ao povo de Deus.

Os progressistas são cautelosos quanto a não necessariamente comparar esta geração atual com a última antes do retorno de Cristo. Pode ser, ou pode não ser.
O contexto histórico-cultural é importante para o dispensacionalista progressivo quando interpreta o texto sagrado. Este princípio hermenêutico é relevante para a compreensão do livro do Apocalipse, como por exemplo, os capítulos 4 e 5  onde os mais recentes estudiosos reconhecem, há um conflito histórico-cultural entre judeus-cristãos e o culto imperial Greco-romano.
Com respeito aos sofrimentos messiânicos ou os sinais dos tempos que ocorrerão imediatamente antes do aparecimento do Messias, dois assuntos servem como diretrizes para um ponto de vista dispensacionalista progressivo: 1( o período das aflições e 2) a identificação dos santos da tribulação.
A abordagem dispensacionalista progressiva do Milênio (Ap 20) será claramente pré-milenar. Embora os crentes sejam espiritualmente levantados com Cristo na conversão e atualmente reinam com ele do céu, mas a plenitude de Cristo só se dará por ocasião do segundo advento de Cristo.
Referente à separação entre igreja e Israel, os progressistas acreditam que os gentios já foram incluídos como um povo de Deus, pela fé em Cristo; mas Deus ainda não pôs fim a Israel porque um dia restabelecerá aquela nação para ele e Jesus, o Messias.
De acordo com os despensacionalistas progressivos, embora os sinais dos tempos (as aflições messiânicas) tiveram início durante a primeira geração de cristãos, a grande tribulação ainda não ocorreu; Ela está no futuro, e a igreja estará isenta dela.


1.4 – Ponto de vista Dispensacionalista Clássico
Durante o século XX a interpretação mais popular do Apocalipse foi o dispensacionalismo, uma das variantes do pré-milenarismo. O nome do movimento é derivado da palavra bíblica “dispensação”, um termo que recorre à administração da casa de Deus.
Os dispensacionalistas dividem a história da salvação em eras históricas ou épocas para distinguir as administrações diferentes do envolvimento de Deus no mundo. Scofield definiu a dispensação como “um período de tempo durante o qual o homem é testado em relação à sua obediência a alguma revelação específica do testamento de Deus.”
A autenticidade do dispensacionalismo foi seu compromisso a uma interpretação literal da escritura profética. Isto resultou em três outras doutrinas famosas, apreciadas por partidários do movimento: 1) Uma distinção entre as profecias feitas sobre Israel no AT e a igreja no NT deve ser mantida. A igreja não substitui Israel no plano de Deus. Então, a igreja é um parêntese no término desse plano.
Os dispensacionalistas são pré-milenaristas; quer dizer, eles crêem que Cristo virá novamente e estabelecerá um reinado temporário, mil anos em Jerusalém. Eles acreditam no arrebatamento pré-tribulacionista, isto é,o retorno de Cristo acontecerá em duas fases: a primeira para sua igreja que será poupada da grande tribulação; a segunda em poder e glória para conquistar seus inimigos.
O dispensacionalismo parece ter sido articulado primeiramente pelo clérigo anglicano irlandês John Nelson Darby, líder influente no movimento dos irmãos Plymouth na Inglaterra, no século XIX.  O entendimento do dispensacionalismo clássico do tempo do Apocalipse e sua estrutura caminham juntos. Porque essa escola de pensamento interpreta as profecias do livro literalmente, seu cumprimento, então, é percebido como ainda futuro (espec. 4 – 22). Além disso, o dispensacionalista clássico acredita que a falta de menção da igreja no capítulo 4 indica que esta será arrebatada ao céu por Cristo antes do advento da grande tribulação (*Caps 6 – 8). Como o dispensacionalismo está intimamente associado ao pré-milenarismo, não surpreende que essa perspectiva veja a história do mundo com pessimismo.

Fonte: PATE, C. Marvin,  As Interpretações do Apocalípse: quatro pontos de vista (Editora Vida, 2003.) – Coleção Debates Teológicos       


Considerações – Avaliação Crítica
Analisando a exposição acima, concluí que cada comentarista procurou convencer o leitor de que a sua posição e pontos de vista eram os mais corretos. Todos procuraram mostrar em que fundamentam suas afirmações  mas, se eu fosse abordar um tema como este, procuraria apenas mostrar minha visão e compreensão sobre o assunto e respeitaria os que pensam e crêem diferente de mim, o que alguns deles não fizeram.  Sem dúvida, a obra em questão é de grande valor, não só teológico, mas exegético, hermenêutico, etc.  
Cabe ao leitor decidir sobre qual ponto de vista escolher, mas é certo que uma reflexão mais aprofundada deve ser considerada, e possivelmente, como conseqüência natural, novos conceitos, incorporados, substituindo aqueles que não se adequam à realidade cristã, bíblica e escatológica.

Deus abençoe a sua vida!


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